Monday, February 18, 2008

Céu artifício

Eu poderia até tomar como fogos de artifício, as bombas que eu vi acendendo o céu diurno. Eu poderia, tranquilamente, tomar como parte de um filme, todas as armas e a destruição. Mas é que por trás de todos os graves, só um único agudo foi capaz de me tocar: o choro de uma criança. Caberia aqui uma foto dessa criança, dessas tantas fotos que eu acharia com um clique. Mas não, acabaram-se as imagens que chocam, esgotaram, foram armazenadas num banco de incredulidades que carregamos a frente de nossas lágrimas. Vou, portanto, descrever a criança que eu ouvi. A sua volta, no chão, havia um lençol azul, que, exatamente como o céu, trazia consigo manchas cinza de fumaça. Havia pedaços de madeira amontoados sobre outros amontoados irreconhecíveis, e todos esses se inclinavam para ver o sopro de vida que restara. Era um menino; estava sentado, na posição em que meninos costumam a brincar. Mas ele não estava brincando. Seu choro não chorava fome ou frio, derramava a poeira acumulada sobre as pálpebras; assim as lágrimas traçavam ali um leito de um rio tão profundo, que marcará suas margens ali por cinqüenta, cem anos, uns dias... Esse menino de cabelos pretos, pele morena, olhos arregalados para o céu, olhava embargado, ora para suas mãos sujas, ora para o lado, em busca de alguém que as pudesse limpar (apenas ele não sabia o quão limpas ainda estavam suas mãos).
E por conta dos graves que não deixaram de evocar uns aos outros, minha cabeça retumbou em dor; mas nenhum analgésico desses genéricos poderia me sanar a mente. Talvez apenas um: aquele feito de farinha que todos nós tomamos para disfarçar a enxaqueca e dormir um justo sono. Efeito placebo, e a próxima notícia é sobre o aquecimento global.
Como disse a mim, desse jeito, o poeta: mundo, não cabe no meu defeituoso globo ocular, mas deixa todas suas marcas no meu coração.