Wednesday, December 16, 2009

Reunião Extraordinária

Então, chegou aquele que todos estavam aguardando, embora veladamente torcessem para que não viesse. Ele estava vestido de maneira formal, uma calça social impecável, camisa branca e um sapato preto brilhante. Não usava gravata, nem paletó. Porém, ninguém se enganava, era uma ocasião extraordinária, daquelas onde tudo que se quer é desaparecer, por algumas horas ao menos. Todos permaneceram de pé, prendendo a respiração, até que ele atravessou toda a extensão daquela longa sala, com um andar compassado, como se faria em uma marcha fúnebre. Em contraste, sua expressão era divertida, cumprimentava a todos com um sorriso sincero; para quem não o conhecesse, claro. Quando ele se assentou, foi possível ouvir o couro de sua cadeira amassando, tamanho era o silêncio. Então, todos se sentaram na mesma hora, de maneira ensaiada, quase que teatral.
Ele pigarreou, à medida que ajeitava as folhas de papel que, olhando de longe, mostravam gráficos e números inteligíveis. Começou a falar, com a voz grossa e aveludada habitual:
- Meus caros, acredito que nem todos estão cientes do momento em que estamos atravessando.
Era desconfortante imaginar, mas qualquer que fosse o momento em travessia, a conta bancária de apenas um sujeito daquela sala estava suficientemente preparada para um anúncio da importância com que, àquela altura, se podia prever. Ele voltou a falar. A sequência exata de palavras não me recordo tão bem; pois, dali em diante, me prendi a observar a expressão de todos os outros sentados ao redor da sofisticada mesa de madeira.
Hoje, passado algum tempo daquele episódio, me parece muito óbvio um raciocínio: numa conjuntura como a que nos encontrávamos, trabalhando numa empresa daquele porte, fosse a notícia boa, não estaríamos mais felizes do quê aquele sujeito, e fosse a notícia ruim, estaríamos, com certeza, mais ferrados do quê ele. Talvez, pensando assim, o sorriso dele até fosse sincero. O meu não...

Tuesday, November 03, 2009

Livres são os animais irracionais, que só agem por instinto, e assim se justifica.

Tuesday, February 10, 2009

Contidos


Madrugada quente e eu acordei com calafrios. Em meu delírio cheguei a imaginar você aqui. Gritei seu nome, "te encontrei". Cômico... Resolvi clamar, implorar, para as estrelas um caminho, ou então, melhor: uma saída. Na falta de um sinal, me enrolei à própria volta e em mim se fez um casco (me achar nesse buraco é tarefa sua). Por via dessas dúvidas todas, derrama em mim os seus mais profundos sentimentos, essas suas quinas do coração, que afastadas da ampla sala, eu nunca pude, quis, ou me atrevi a visitar. Fala, mas fala tudo; tudo de mais insalubre pra me lavar ou pôr no chão. Casa comigo os seus medos com minhas inseguranças, as minhas ambições com seus desejos... Vamos espalhar os nossos sonhos, rios inteiros represados, pra ver se brota esperança. Eu me afundo nessa água turva até me ver de novo, novo, reluzindo, e também você. Brilho eterno de uma alma sem angústias...

Tuesday, December 30, 2008

Harmonia


Há uma música sendo tocada pelos astros.
Nós não podemos escutar. O motivo é simples: seis ou mais filtros (sentidos) limitam nossa capacidade de perceber.
O certo é que, quando formos energia, sentiremos essa música ressoando através de nós.
Por enquanto, há uma única maneira de apreciá-la, ainda que não seja por completo: amando. Pois, em nós, só o amor não é filtro; não é condicionante, nem condicionado; não é amarra e nem prisão. O amor é o vôo que nos liberta, a nossa conexão com tudo aquilo que transcende.

Monday, October 20, 2008

Clareira

Algumas vezes, vazio é a ausência ou falta daquilo que preenchia um espaço e já não o faz. É sentir que algo se foi, se perdeu, deixou de estar; dissipou-se no tempo e apenas deixou gravado na lembrança um verbete da emoção que anteriormente proporcionava.
Outras vezes, vazio é começar a sentir desocupado um espaço que nem ao menos se sabia da existência, ou da qual se tinha apenas uma dispersa desconfiança. Nesse caso, vazio passa a ser um lugar a ser preenchido, suprido... E no caso, meu caso.
O vazio que agora eu sinto é o vazio de um plano concreto, de um futuro certo... Estou no fim de uma fase, e nem chega a ser como ter pela frente um desfiladeiro; me sinto, mesmo, como se estivesse olhando uma placa que não cansa de apontar distintas direções, possibilidades de destino... E então, começo a achar que a gente tem mesmo escolha. Escolha entre deixar ser e fazer ser.
- Branquinha, ilumina.

De Sanna Annuka: "The Owl Keeper",

que ronda as florestas do norte,

derramando claridade sobre os caminhos.

Monday, February 18, 2008

Céu artifício

Eu poderia até tomar como fogos de artifício, as bombas que eu vi acendendo o céu diurno. Eu poderia, tranquilamente, tomar como parte de um filme, todas as armas e a destruição. Mas é que por trás de todos os graves, só um único agudo foi capaz de me tocar: o choro de uma criança. Caberia aqui uma foto dessa criança, dessas tantas fotos que eu acharia com um clique. Mas não, acabaram-se as imagens que chocam, esgotaram, foram armazenadas num banco de incredulidades que carregamos a frente de nossas lágrimas. Vou, portanto, descrever a criança que eu ouvi. A sua volta, no chão, havia um lençol azul, que, exatamente como o céu, trazia consigo manchas cinza de fumaça. Havia pedaços de madeira amontoados sobre outros amontoados irreconhecíveis, e todos esses se inclinavam para ver o sopro de vida que restara. Era um menino; estava sentado, na posição em que meninos costumam a brincar. Mas ele não estava brincando. Seu choro não chorava fome ou frio, derramava a poeira acumulada sobre as pálpebras; assim as lágrimas traçavam ali um leito de um rio tão profundo, que marcará suas margens ali por cinqüenta, cem anos, uns dias... Esse menino de cabelos pretos, pele morena, olhos arregalados para o céu, olhava embargado, ora para suas mãos sujas, ora para o lado, em busca de alguém que as pudesse limpar (apenas ele não sabia o quão limpas ainda estavam suas mãos).
E por conta dos graves que não deixaram de evocar uns aos outros, minha cabeça retumbou em dor; mas nenhum analgésico desses genéricos poderia me sanar a mente. Talvez apenas um: aquele feito de farinha que todos nós tomamos para disfarçar a enxaqueca e dormir um justo sono. Efeito placebo, e a próxima notícia é sobre o aquecimento global.
Como disse a mim, desse jeito, o poeta: mundo, não cabe no meu defeituoso globo ocular, mas deixa todas suas marcas no meu coração.

Saturday, December 29, 2007

Eu único

Experimente fitar os olhos no espelho, bem de perto. Verá que no fundo de suas janelas da alma encontrará a si mesmo, a corresponder-lhe o olhar. Logo, então, perceberá que não se pode vislumbrar a própria alma olhando um espelho, pois tudo que verá é carne.
Sendo assim, se realmente deseja conhecer-se, há de descobrir um jeito único de mergulhar nas próprias profundezas. Aos demais, onde esse desejo não for latente, é de bom grado que se contentem com o reflexo, com uma alma espelhada.
Haverá sempre, a esse mergulho, os que tentarão, entre eles: os que fracassarão e os que conseguirão; e a maioria.