Friday, December 15, 2006

Tempestade de estrelas cadentes


Não importa que esse temporal esteja só esperando abrirmos nossa janela para inundar tudo. Não importa que o céu se feche, deixando a escuridão como nosso único guia. Mesmo que o vento pareça empurrar para longe os bons ares. Mesmo que eu não veja mais o nosso jardim, e que a janela mostre só o meu reflexo, esboçado, desgastado.
Eu posso sentir, sobre tudo, que uma tempestade de estrelas cadentes passará por nosso teto, e nós faremos silenciosamente todos os nossos pedidos, com as mãos, não só dadas, como atadas; preparando o nosso vôo pelos sonhos mais bonitos. Lá de cima poderemos ver que o nosso jardim resistiu as mais pervesas intempéries; afinal, o amor é o adubo mais puro já permitido existir.

Wednesday, December 13, 2006

Em órbita


Em um quarto opaco, esfumaçado, a luz entra por alguma fresta que, sem querer, eu permiti estar aberta, fornecendo uma claridade nada bem vinda. Tudo fechado, nada em movimento, exceto a fumaça que sobe insistente para o teto e o feixe de luz. Eu deito sobre milhares de idéias, e nenhuma me parece verdadeiramente aproveitável. A força inercial me obriga a permanecer no mesmo lugar, e vai se agigantando a cada passada do relógio. Tão inútil e ausente de qualquer coisa, quanto agora, se fez esse texto. Afinal, arte é traduzir, de alguma forma, um sentimento, e esperar que algum dia, em algum lugar, alguém se reconheça ali. Já adianto: eu sinto preguiça.

Sunday, November 05, 2006

Atlântico


Transbordou em mim suas mágoas, buscando uma distância infinitamente superior à minha compreensão. Gritou alto, numa concha, esperando que alguém escutasse de algum lugar perdido no tempo. Esperou que a brisa levasse, leve, de volta ao solo que instintivamente sentia como lar. A maré subiu aos poucos, arrastando o que pudesse não revelar verdade. Um oceano de profundezas dentro de cada vida, que remete a muitas outras, numa cadeia infinita de fatos. Uma ilha, nós todos, um arquipélago, afundando e se elevando. De todas as outras estrelas refletidas na água, num azul escuro, você foi estrela-do-mar, amor tão grande só pode existir para ser possível. Mergulho...

Friday, November 03, 2006

equilibrista do futuro certo


Me falta coragem de arriscar qualquer idéia num papel, que tenha assim: um jeito de poesia. Do quê eu sinto, o papel não aceita mais, me rejeita como alguém que eu traí a confiança, me entregando a outros braços; se ele soubesse que os números, que agora aqui estão, ao invés das velhas rimas, não representam nenhuma lógica pro meu coração, não largaria tão ao acaso um alguém tão dedicado, um sentir tão carregado, que entre todos os espaços largava um universo de paixão. Que azarão, eu fui pro lado contrário, equilibrando um passado, projetado num futuro, aonde não havia mais lugar pra verdade mais sincera, que me grita lá de baixo, já largada há muito tempo, numa rede infinita de mentiras, que convencem a mim mesmo de um futuro certo.

Tempos modernos


Andei por aqui esperando ser acometido por alguma onda de inspiração, como costumava acontecer há algum tempo. A verdade é que os tempos são outros, estou aprendendo outras coisas, me importando com outras questões, me perdendo tanto de mim que eu nem me reconheço mais aqui nesse espaço... As pessoas mudam, os afazeres mudam, as idéias mudam, só os erros permanecem, e como fantasmas eles voltam vez ou outra para me atormentar com a mesma veêmencia do passado; talvez por isso, esse impulso de me mudar de mim mesmo por uma temporada. Que piada desgastada sou eu mesmo tentando ser um eu, que já deixou de ser, há muito tempo. Rima, sem poesia, idéia, sem ideologia... Das bonitas coisas do meu mundo, só me resta o amor, que se supera a cada dia, num dia-a-dia tão sofrível, tão perverso comigo mesmo. Hoje eu tenho aptidão pra fazer de conta que eu faço a coisa certa pro futuro, um futuro tão vazio da minha presença, que daí a pouco não faria falta para ninguém se quem eu realmente sou não estivesse mais nele.

Monday, September 11, 2006

Reencontros


Lá onde não há posse, nem possuído. O amor transborda e volta a encher meu peito. Aonde todo o tempo lhe é permitido. O reencontro, sem lágrimas, num lago profundo. Eu afundo na sua espera. Eu te espero. Não se apresse. O momento é só seu. Onde duas forças se unem à todas as outras, numa explosão de energia. Onde amar e ser amado é regra geral.
Eu não tenho mais vergonha do meu canto, o mais distante, onde habitam os meus medos; pode ir. A compreensão entende qualquer pedido, qualquer perdido. Eu sei do seu desejo mais latente; o vento te leva até lá. Eu guardo você daqui, com os olhos fechados, imaginando sua volta para mim. Minha luz mais clara, sua forma com a minha, resulta eternidade.

Saturday, September 09, 2006


Deixo o tempo me deixar para trás. Num passo lento, eu aguento o transtorno que se causa, por minha causa, de andar mais devagar que o relógio.
Num canto do meu olho, eu vejo a pressa; atrás de quê, que você vai? Fica aqui aonde floresce o seu jardim. Das pétalas que cultivou, só você entenderia que arruinuou, com sua pressa, o desabrochar. Uma chance, o que resta, de voltar dessa corrida, devagar...
Aonde eu ando, de mãos dadas com a paz, um rio lento me arrasta em correnteza, uma beleza. Há muito espaço para todos, e todo espaço para amar.

Saturday, August 05, 2006




É criança, o meu sonho, de voar, bem lá no alto. Cedo eu salto, da minha cama, vou bolar, meu novo plano. Um piano, o que eu preciso, não se espante, com o pedido.
Meu amigo, é segredo, pode até ficar com medo, quando eu toco com meus dedos, o piano; eu balanço o corpo todo, um tesouro, esse brinquedo.

Num segundo, tudo muda, o que era, se perdeu. Deu adeus? Não dá mais. Era agora, mas não chora, foi em paz. Engraçado, o passado, vai embora, pra memória, sem dar tchau.
Canta, passarinho, no seu canto, um canto raso, um arraso, um pranto baixo, eu afino meu ouvido, canto fino, esse seu, tão bonito, como deus. Deu adeus? Não dá mais. Era agora, mas não chora, foi em paz.

Até chegar a cachoeira, eu vou


Correnteza do tempo, meu escuro, já sem luz, afunda vazio. Leva, eu vou, devagar, em qualquer canto, eu vou indo. Sentindo frio. Lá do meio, eu te grito, uma corda, jogue agora, não demora. Minha energia, vai caindo, tão profundo, não alcanço, já sem forças, o meu canto. Não me agarro, nesses galhos, o meu peso é mais pesado, é o fardo que eu carrego. Não me entrego, eu espero, um milagre, de você, céu de dia, tão bonito.

Friday, July 07, 2006

da janela


Uma estrada de tanto percorrer virou tendência. Um lugar de tanto estar virou lar. Uma roupa de tanto usar virou uniforme. Uma frase de tão dita virou chavão. Um pano de tanto hastear virou bandeira. Uma miséria de tão grande tornou paisagem. Um coração de tanto bater virou pedra. Um olho que só vê espelho.

Sunday, May 14, 2006

o mímico

Esforcei-me para fazer entender, que não era necessário eu dizer,
se alguém também se esforçasse, um pouco, para sentir,
que tudo que havia para ser falado estava nesses meus gestos,
meio desajeitados, um tanto quanto carregados,
das palavras que eu gostaria de ter.

A criança faz um pássaro voar com a mão.
O pássaro rodopia no ar quando alguém adivinha e diz;
a mão se desfaz, embica e cai,
estatelado no meu papel, onde jaz a palavra pássaro,
em reverência àquele que voou um dia,
na mão do menino.

Monday, May 08, 2006

eu, eco, eco e eu

na caverna da solidão,
é bom:
poder gritar, sem incomodar ninguém.

cortou o cabelo?

Sou camaleão de corpo inteiro, talvez de alma; não foi só meu corte. Aliás, sorte sua ter reparado. Pra falar a verdade eu nem importo, porque se pensou que eu sou isso, já errou, pois já não sou. Nem mesmo aquilo que eu seria, é mais, porque já deixei de acreditar nesse futuro, num passado ainda mais remoto. E então o quê pensou que eu seguiria, já não passa nem perto do quê eu sigo, se já mudei tantas vezes de estrada, ela já mudou muitas outras de mim, e eu já a fiz mudar outras tantas. Pensando bem, sobre meu corte, seria melhor nem ter reparado...

“Sem fantasias,
o Camaleão,
pula carnaval.” (Admir Borges - Hai-Cai)

Friday, March 03, 2006

agradável olhar

por de trás dos meus ombros escondia-se um mundo. um mundo bonito, e eu preferia carrega-lo. não mais; eu soltei meu mundo,e lá do céu ele me olha agradecido. é mais fácil carregar um mundo nas costas com parte de quem vai cair, do quê encarar com admiração suas asas. está para todos o fardo de um mundo, e está para poucos a coragem de soltá-lo.

Sunday, February 12, 2006

dos nossos passos

Na linha curva que separa o céu e o mar, eu deixo falar mais alto, entre o ir e o ficar, as raízes da minha história. Não é de glória, nem corvardia, meu estar; não é de choro, nem piedade, meu voltar; assim como não seria de riso: meu partir. É que nós estamos presos as raízes que nos convêm. Essas asas que eu vi num outro andar, não eram mais que a vontade de encontrar um lugar para enraizar. E se discordar dizendo "meu caminhar é tenro, meu andar é reconhecer, meu passo têm sede", eu digo que ao encontrar o seu lugar, vai se perguntar: "andar?"

Thursday, January 26, 2006

vaidade

Ostentava-se no ar uma bela pétala... Mal sabendo que cairia num escuro poço profundo, de onde jamais seria retirada, a pétala só poderia ter torcido por algum feitiço que aumentasse seu prazo, seu pairar. É certo que, naquela queda inevitável, a pétala faltou em admirar o legado sólido que muitos deixaram por ali... A pétala se ocupara mesmo em cair com graça; ocupara-se em fazer da queda, ainda mais efêmera.
No esquecimento do tempo, ninguém mais se lembra de como eram as cores e a forma da bela pétala; todos se lembram de como foi tola ao fazer da sua curta trajetória, um caminho de espelhos, de vaidade.